Alice e
Marina eram amigas inseparáveis e moravam numa cidadezinha do interior. Lá, a
terra era tão seca que as nuvens tiravam férias.
A irmã mais
velha de Alice vivia numa cidade maior, perto da capital. Não se sabe
exatamente por quê, mas Alice acabara de ganhar de sua irmã uma prancha de
surfe novíssima e superradical! Mesmo morando no interior, a menina estava tão
feliz que andava com a prancha debaixo do braço até para buscar o pão, só para
sentir o “clima de praia”.
Marina, por
sua vez, estava de passeio marcado para o Rio Tucunaré, que, embora fosse
divisa entre Estados, não era tão grande assim. Ninguém nunca contou ter visto ondas
naquela correnteza.
Vendo a
prancha de Alice, seus olhos brilharam com a ingenuidade típica de quem nunca
viu o mar:
— Amiga, me
empresta essa beleza! Vou dominar as águas turbulentas do Rio Tucunaré! —
implorou Marina, fazendo a cara do Gato de Botas.
Alice fez
drama:
— Ai, Marina,
esta prancha é o meu xodó, meu portal para o Havaí mental... Mas, o.k., se você
prometer que vai devolvê-la inteira, sem um arranhão de capivara, será sua!
— Promessa
mais que prometida, amiga! – exclamou Marina.
No fim de
semana esperado, a família de Marina chegou ao Rio Tucunaré. Léo, o irmão de 14
anos, que tinha a coordenação motora de um poste e a autoconfiança de um
surfista profissional, olhou para a prancha.
— Ah, mas
vai ser agora que vou inaugurar o Surfe de Tucunaré! — gritou ele, correndo com
a prancha na direção do rio.
A mãe
tentou avisar:
— Léo,
cuidado! A prancha é empres...!
CRACK!
Com um
salto cinematográfico digno de um trampolim de concreto, o menino aterrissou na
prancha, que não aguentou o impacto da gravidade combinada com a densidade
óssea do adolescente! O som foi de um tsunami de tábua, partindo-se em dois
pedaços perfeitamente simétricos. Léo, ileso, ficou de pé em um pedaço,
parecendo um náufrago em dois mini-botes, enquanto a água do rio engolia o
resto.
Dona Maria,
a mãe, sentiu a carteira tremer e levou as mãos à cabeça, com um grito que
espantou até os peixes:
— Léo, você
destruiu o sonho da Alice! Como vou contar para a dona Irene?!
Seu
Nivaldo, o pai, um gênio da improvisação sob pressão, teve a ideia mais
brilhante da década:
— Calma! Já
sei! Nós vamos comprar essa prancha!
Foi então
que ligaram para Alice. O pai, com uma voz cheia de entusiasmo falso:
— Alice,
minha querida! A prancha foi um SUCESSO ESTRONDOSO! Passamos o fim de semana
rindo, flutuando, fazendo acrobacias... Foi tão especial que decidimos
comprá-la! Quanto você quer?
Alice, que
estava sonhando em surfar não se sabe onde, respondeu:
— Ah, que
bom que gostaram! Mas, senhor, eu não vendo! Essa prancha é minha relíquia,
minha conexão cósmica com o mar!
A
negociação virou um cabo de guerra telefônico: a família de Marina implorando
para “comprar” o objeto que nem existia mais e Alice irredutível, recusando-se
a vender o seu xodó.
Foi quando
Dona Irene, a mãe de Alice e Rainha das Galinhas Caipiras da região, pegou o
telefone:
— Escute
aqui, Dona Maria, eu sei que a minha filha é cabeça-dura, mas eu estou
precisando de umas aves novas para a criação – qual o seu preço em galinhas?
Dona Maria,
aliviada, se entregou:
— Dona
Irene, por essa prancha que nos deu tanta alegria, a senhora pode escolher as
três melhores galinhas caipiras que eu tenho no sítio, as mais gordas entre as
poedeiras, as que têm nome!
E assim, a
prancha de surfe, que nunca viu uma onda de verdade, foi oficialmente trocada
por três galinhas caipiras de elite. Alice ficou triste, mas foi consolada pela
mãe, que cochichou:
— Uma
prancha de surfe não bota ovo, minha filha! Essas três galinhas vão nos
sustentar por um mês!...
E esse foi
o final épico da aventura de uma prancha de surfe no interior: aposentou-se no Lixão,
e as galinhas, rebatizadas de Alice, Marina e Prancha, viraram as novas
estrelas do galinheiro de Dona Irene!...